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Me Leva - Roteiro pronto... E agora?

Atualizado: 24 de jun.

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Reflexões sobre reescrita, mercado audiovisual e os próximos passos de Me Leva.

escrito por Stefanny Pina


Escrever um roteiro pode parecer, à primeira vista, o fim de uma etapa criativa. Mas, na verdade, é só o começo de outra. Depois que colocamos o ponto final numa versão, o processo de construção continua, reescrever, reler, ouvir, testar. Porque roteiros não nascem prontos: amadurecem com o tempo, com feedbacks e com os novos contextos de produção.

Com Me Leva, não foi diferente. Encerrar o primeiro tratamento foi uma conquista, sim, mas também um convite a entender como aquela história poderia dialogar com o mercado, com possíveis parceiros, com editais e, principalmente, com o público. Escrever um roteiro é criar um ponto de partida para um filme que ainda vai existir. E, entre esse texto e a tela, há todo um percurso de preparação, escuta, articulação e planejamento.

Neste texto, compartilho as reflexões e aprendizados que vieram depois da escrita. Como pensar na viabilidade do projeto? Que versões valem ser testadas? Qual a importância de ouvir outros olhares? O que fazer com um roteiro “pronto” que ainda precisa respirar antes de ganhar o mundo? Cada uma dessas perguntas abriu novas rotas nessa jornada tão desafiadora quanto a escrita em si.


Reescrever é parte do caminho

Com Me Leva, aprendi que o roteiro nunca está “definitivamente pronto”. Mesmo depois de finalizar uma versão que parecia sólida, voltei a ela inúmeras vezes. Sempre tem uma fala que pode ser mais precisa, uma cena que pode respirar melhor, ou um personagem que ainda pode revelar algo a mais. Às vezes, não é sobre adicionar, mas sobre tirar: um excesso de explicação, uma repetição desnecessária, uma piada que só funciona no papel. Outras vezes, é só uma vírgula, um respiro, que muda tudo.

A reescrita, nesse sentido, não é um retrocesso. Pelo contrário: é a oportunidade de reencontrar a essência do que você quis dizer, com mais clareza e maior domínio. O tempo é uma ferramenta poderosa. Quando nos distanciamos do texto por alguns dias ou semanas, voltamos com um olhar mais crítico, menos apaixonado e mais honesto. Coisas que antes pareciam indispensáveis passam a soar artificiais, e momentos que pareciam pequenos se revelam potentes.

Como diz Doc Comparato, “escrever é reescrever” — e produzir um filme exige que a gente se mantenha disponível para esse processo até o último momento antes da filmagem (e às vezes até durante ela). Não existe nenhuma versão definitiva de um roteiro. O que existe é uma sucessão de versões que se aproximam, pouco a pouco, da verdade emocional e técnica da história. E, mesmo assim, ela só se revela completamente quando ganha corpo na voz dos atores, no olhar da direção, nos cortes da montagem.

O roteiro é um organismo vivo, que responde às circunstâncias da produção, aos limites técnicos, ao tempo de tela, à escuta da equipe criativa. É um texto que precisa respirar fora do computador. Estar aberta a essas transformações é parte do amadurecimento da história. A reescrita, nesse processo, é também uma forma de afeto: com os personagens, com a trama, com o público e com quem vai dar vida a tudo isso depois.

Reescrever não é sinônimo de fracasso, mas de cuidado. É a confirmação de que estamos levando a sério cada detalhe, cada silêncio, cada linha de diálogo. Porque, no fim das contas, contar uma história com verdade exige tempo  e generosidade com o processo.


Registrar o roteiro: um passo indispensável

Antes de enviar seu roteiro, argumento ou qualquer material criativo para produtoras, laboratórios, festivais ou editais, é fundamental fazer o registro da obra. No Brasil, o registro pode ser realizado de forma relativamente simples e acessível por meio da Biblioteca Nacional (BN), via o Escritório de Direitos Autorais (EDA), com opções presenciais e digitais.

Esse registro é o que comprova legalmente a autoria do texto, garantindo os direitos morais e patrimoniais do autor sobre a obra. Ou seja: é a proteção jurídica que assegura que a ideia é sua, caso ela seja usada ou apropriada sem sua autorização. Ainda que seja raro um caso de plágio direto no audiovisual, a proteção é uma medida de segurança indispensável, especialmente quando o projeto começa a circular em diferentes ambientes e com várias pessoas envolvidas.

Além da Biblioteca Nacional, hoje há alternativas complementares, como registros na ABRA (Associação Brasileira de Autores Roteiristas), que, apesar de não substituírem a proteção legal da BN, funcionam como marcação de data e autoria, o que pode fortalecer a comprovação de paternidade em disputas. Alguns autores também optam por registros via blockchain, pela facilidade e agilidade, embora isso ainda não substitua a validade do registro oficial no Brasil.

Registrar não é apenas um ato burocrático: é um cuidado com sua criação. É entender que um roteiro, mesmo em desenvolvimento, já é uma obra intelectual com valor criativo, simbólico e potencialmente comercial. Proteger esse trabalho é o primeiro passo para poder compartilhá-lo com segurança, sabendo que ele está amparado por uma legislação que reconhece seu esforço como autor.


Argumento na mochila: o começo da jornada pelos laboratórios

Um dos passos mais importantes após concluir uma versão sólida do roteiro (ou mesmo ainda durante o processo de lapidação) é voltar ao argumento. Esse documento, mais enxuto e direto, é a base que carrega a espinha dorsal da história: personagens, trama principal, conflitos centrais e, principalmente, o tom da narrativa. Revisar e atualizar esse material é essencial não só para manter a clareza interna do projeto, mas para apresentá-lo com consistência em ambientes de mercado.

Com Me Leva, foi a partir do argumento que dei os primeiros passos para fora da página. Foi esse material que garantiu a seleção do projeto para a consultoria oferecida durante o SAPI – Mercados Audiovisuais,  onde pude trocar com profissionais experientes do setor e aprofundar a construção da história. A cada leitura, surgiam perguntas, sugestões e provocações que me fizeram repensar estruturas, diálogos e camadas temáticas. Essas escutas foram fundamentais para amadurecer o projeto e deixá-lo mais sólido e preparado para as próximas etapas.

Laboratórios de roteiro são espaços de escuta, construção e troca. Alguns dos mais reconhecidos no Brasil são o BrLab, o Cabíria Festival – Prêmio de Roteiro, o NetlabTV, o FRAPA (Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre) e o Icumam Lab, este último realizado em Goiás. Cada um com seus focos específicos, seja em narrativas diversas, personagens femininas, séries de TV ou longas autorais, mas todos com um mesmo objetivo: fortalecer projetos por meio de acompanhamento criativo, mentorias com profissionais do mercado e conexões com potenciais parceiros.

Participar desses programas não apenas aprimora a qualidade do roteiro, como também amplia sua visibilidade e as possibilidades reais de produção. Além dos laboratórios, há rodadas de pitching promovidas por festivais, editais, feiras e eventos de mercado, como o Rio2C, o NordesteLAB, o já citado FRAPA e o SAPI, onde roteiristas apresentam seus projetos diretamente a produtoras, canais, plataformas e distribuidoras.

No caso de Me Leva, esse movimento já começou: com o argumento revisado, estou preparada para essas rodadas. E mais do que uma etapa estratégica, esse processo tem sido também uma maneira de continuar aprendendo com outras histórias, outros olhares e com a escuta atenta de quem entende que um roteiro não nasce pronto, ele se transforma a cada partilha.


Fomentos, parcerias e os caminhos para a produção

Com o roteiro amadurecido e devidamente registrado, começa uma nova etapa da jornada: entender como transformar palavras em imagens, sentimentos em cenas e, finalmente, tirar o filme do papel. No Brasil, esse processo costuma passar, inevitavelmente, pela busca de recursos. Escrever, por si só, não garante a realização da obra — é preciso pensar estrategicamente nos caminhos possíveis para financiar, produzir e circular o projeto.

Uma das principais ferramentas para isso são os editais públicos de fomento. Eles são, hoje, o principal meio de viabilização de filmes independentes no país. Programas estaduais, como o ProAC (SP), Funcultura (PE), os editais da Lei Paulo Gustavo, e iniciativas federais como o FSA/ANCINE, têm desempenhado um papel essencial na descentralização da produção e no fortalecimento de vozes diversas no cinema nacional. Para roteiros que fogem das lógicas mais comerciais, esses editais são, muitas vezes, o único caminho possível para que a obra aconteça.

Mas os editais são apenas uma das possibilidades. Outra estratégia fundamental é a busca por coproduções com produtoras parceiras, empresas que se identifiquem com o tom da obra e possam contribuir com sua realização, seja com estrutura técnica, expertise, rede de contatos ou mesmo acesso a outros fundos. É possível também mirar em editais internacionais de coprodução, residências de desenvolvimento, apoios de embaixadas e acordos bilaterais, que podem ser especialmente interessantes para filmes que dialogam com temas universais.

Além disso, a participação em pitchings e rodadas de negócio se torna essencial. Esses espaços, já citados anteriormente, oferecidos por festivais e encontros de mercado como o Rio2C, o NordesteLAB, o FRAPA, o Ventana Sur, o SAPI e o Conecta Fiction, são vitrines importantes para apresentar o projeto a canais, distribuidoras, plataformas de streaming e produtoras nacionais e internacionais. Mesmo que um pitching não resulte imediatamente em um contrato, ele pode abrir portas importantes, iniciar conversas e colocar o projeto no radar das pessoas certas.

O que aprendi até aqui é que escrever um roteiro é só a primeira parte da caminhada. A etapa seguinte é saber navegar no ecossistema do mercado audiovisual, buscando oportunidades, estabelecendo parcerias e, acima de tudo, permanecendo disponível para continuar escutando e ajustando o projeto às novas possibilidades que surgem no caminho.

Fazer cinema no Brasil exige persistência, criatividade e, muitas vezes, paciência. Mas também é uma chance de ver histórias potentes ganharem o mundo. No caso de Me Leva, esse trajeto já começou a se desenhar. E, assim como Gabi e Léo vivem sua jornada de descobertas e imprevistos, sigo também na estrada, acreditando que toda história merece ser contada e que sempre vale a pena procurar caminhos, mesmo quando a estrada parece longa demais.

Porque se o roteiro fala sobre uma viagem, o processo de produzi-lo não poderia ser diferente.


Me Leva é um projeto de desenvolvimento de roteiro aprovado no Edital de Seleção Pública nº 06/2023 – Cinema e Audiovisual, da Lei Paulo Gustavo de Aparecida de Goiânia


Referências Bibliográfica

  • Comparato, D. (2009). Da criação ao roteiro: teoria e prática. Rio de Janeiro: Rocco.

  • Truby, J. (2007). The Anatomy of Story: 22 Steps to Becoming a Master Storyteller. New York: Faber & Faber.

  • Biblioteca Nacional (BN). Escritório de Direitos Autorais – EDA. Disponível em: https://www.gov.br/servicos/registrar-uma-obra

  • ABRA – Associação Brasileira de Autores Roteiristas. Site institucional. Disponível em: https://abra.art.br

  • BrLab – Desenvolvimento de Projetos Audiovisuais. Disponível em: https://www.brlab.com.br

  • Cabíria Festival – Prêmio de Roteiro. Disponível em: https://cabiria.com.br

  • NetlabTV. Programa de desenvolvimento de séries brasileiras. Disponível em: https://netlabtv.com.br

  • FRAPA – Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre. Disponível em: https://frapa.art.br

  • Icumam Lab. Programa de formação e desenvolvimento de projetos audiovisuais. Disponível em: https://icumam.com.br

  • Rio2C – Rio Creative Conference. Plataforma de mercado e inovação audiovisual. Disponível em: https://www.rio2c.com

  • NordesteLAB. Encontro de negócios e desenvolvimento do audiovisual nordestino. Disponível em: https://nordestelab.com.br

  • Ventana Sur. Mercado audiovisual latino-americano. Disponível em: https://ventana-sur.com

  • SAPI – Mercados Audiovisuais do Centro-Oeste. Programa de formação e conexão para profissionais da região Centro-Oeste. Disponível em: https://sapi.mercadoaudiovisual.com

  • Conecta Fiction & Entertainment. Fórum internacional de coprodução audiovisual. Disponível em: https://www.conectafiction.com




 
 
 

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